Texto B
A distância entre as duas margens não
era grande e João Sem Medo morria de fome. Não hesitou, pois. Despiu-se e com a
trouxa de roupa à cabeça penetrou no liquido esverdinhado de limos, crente de
que alcançaria facilmente a nado o laranjal apetecido.
Mas aconteceu então este fenómeno incrível:
à medida que o nadador se aproximava da outra margem, a água aumentava de
volume e a lagoa dilatava-se. Por mais esforços que despendesse para fincar as
mãos na orla do lago, só encontrava água, água unicamente. A terra afastava-se.
-Bonito! Estou dentro dum lago elástico
– descobriu João Sem Medo, esbaforido.
Mas fiel ao seu sistema de persistência
enérgica não renunciou ao combate.
As margens desviavam-se, mas o rapaz
nadava, nadava sempre, com confiança plena nos seus braços, na força de vontade
e no desejo de vencer.
-Eh!, alma do diabo, sofre! – instigou-o
por fim uma onda a deitar os bofes de espuma pela boca fora.
Um peixe insurgiu-se com uma voz mole:
-Assim não vale! Vê se acabas com isso.
Eu e os meus camaradas peixes queremos dormir em sossego. Vamos, chora!
Uma gaivota baixava de vez em quando
para lhe insinuar, baixinho:
-Então? Toma-te infeliz. Soluça. Berra.
Chora. Lembra-te de que seguiste o Caminho da Infelicidade. Não faças essa cara
de quem ganhou a sorte grande.
Por último, uma coruja de mitra
pequenina na cabeça e venda nos olhos – para voar de dia e de noite em perpétua
escuridão – segredou-lhe ao ouvido:
-Queres laranjinhas? Ouve a minha
sugestão: representa a comédia da dor. Finge que sofres muito, sê hipócrita.
Mente. Pede a esmolinha de uma laranja por amor de Deus. Vá! Não sejas tolo.
Chora.
Como única resposta, João Sem Medo
repeliu a coruja, fez das tripas coração e desatou a cantar à sobreposse.
Então, ao som do seu canto, por fora
tão vibrante e viril, a fúria das águas amainou. O rugir das ondas amorteceu
lentamente. Um murmúrio de desistência soprou pela superfície do lago. E João
Sem Medo, com algumas braçadas vigorosas e seguras, logrou pôr o pé em terra
perto do laranjal carregado de pomos de ouro.
Claro, correu logo como um doido para a
árvore mais próxima, sôfrego de engolir meia dúzia de laranjas. Mas, num lance
espetacular, os frutos diminuíram rapidamente de volume até atingirem o tamanho
de berlindes e – zás! – com um estoiro despedaçaram-se no ar.
Humilhado, e a contar com nova surpresa
desagradável, abeirou-se de outra laranjeira. Desta vez, porém, as laranjas
transformaram-se em cabeças de bonecas doiradas e deitaram-lhe a língua de
fora.
-A partida anterior teve mais graça! –
observou João Sem Medo. (…)
Então, numa tentativa suprema, João Sem
Medo acercou-se de outra árvore, sorrateiramente, em bicos de pés.
Tudo inútil. Como se estivessem
combinadas, as laranjas e as tangerinas do pomar desprenderam-se dos troncos,
abriram pequeninas asas azuis e começaram a subir serenamente no céu.
Apesar da fome, João Sem Medo, com os
olhos fixos no espetáculo maravilhoso das bolas de ouro a voarem, não pôde
reprimir este clamor de entusiasmo, braços erguidos para o ar:
-Parabéns, Mago. Parabéns e obrigado
por este instante, o mais belo e bem vivido da minha vida. Obrigado. Mas agora
ouve o que te peço: desiste de me perseguir. Convence-te de que, para mim, a
felicidade consiste em resistir com teimosia a todas as infelicidades. E vai
maçar outro. Ouviste? Vai maçar outro.
Composição
As aventuras de João Sem Medo não podem
terminar por aqui. Agora que saltou o muro e fugiu da sua aldeia,
Chora-Que-Logo-Bebes, o protagonista vai continuar a descobrir a Floresta
Branca, que, à entrada, tem o seguinte aviso.
É PROIBIDA A ENTRADA A QUEM NÃO ANDA ESPANTADO DE EXISTIR.
Tendo em conta esta proibição, serás o
narrador da nova aventura de João Sem Medo. Escreve um texto narrativo,
respeitando os seguintes aspetos:
-
mantém o narrador na terceira pessoa;
-
inclui uma descrição de um local assustador;
-
inventa e caracteriza um novo habitante fantástico da Floresta Branca;
-
mantém a coerência em relação ao texto que leste.
João Sem Medo estava em sua casa quando
decidiu saltar o muro e fugir.
Chegou à floresta Branca e encontrou o
seguinte aviso “É proibida a entrada a quem não andar expantado de existir”.
Depois de ler o aviso, entrou na
floresta. Era um lugar escuro onde o sol não penetrava, ouviam-se muitos ruídos
estranhos e, a cada passo que se dava, sentia-se a insegurança.
João Sem Medo caminhava, muito
confiante até que ouviu uma voz:
-Olá!
-Onde estás? – perguntou ele, olhando
para todos os lados à procura de quem teria dito aquilo.
-Estou mesmo à tua frente. – replicou a
voz.
Olhou com mais atenção e viu uma árvore
com uns olhos, uma boca e um nariz que lhe disse:
-Até que enfim! Olá, o meu nome é
árvore guia.
-Olá! – exclamou João.
-Sou a porteira desta floresta. – disse
ela – Estou aqui para expulsar quem não respeita a regra.
-Então não tens de me expulsar, adoro
descobrir coisas novas e todos os dias me deslumbro com o que vejo e sinto. –
disse ele – Gosto de viver!
Despedindo-se da árvore começou a
explorar a floresta, onde viveu diversas peripécias e emoções fortes.
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